terça-feira, 31 de julho de 2007

A vida é uma sucessão de mortes

"(...) Norma já tinha morrido. E antes dela o filho. Antes do filho, o marido. Antes do marido, a nossa mãe, ou não? a nossa mãe não morreu depois do filho? e mais longe ainda, no começo do mundo, o nosso pai. Relembro os mortos, amo-os, mas quedou em mim a agitação. Revejo-os através do meu olhar fatigado e um sorriso ou quê? abre dentro de mim. O meu corpo ressurgiu dentre eles, realizei a minha iniciação através das raízes - que é que pode sobressaltar-me? A paz é minha, eu a vi. Resisti à agonia, estou vivo. Sem dúvida, o resultado era imprevisível, porque muitos caminhos partiam daí e eu podia rir com um riso canino, ou andar aos gritos pela vida, ou chorar à espera de resignar-me, ou olhar apenas de olhos enxutos e esperar as flores novas sobre os túmulos dos mortos, ou. Estou vivo. A terra existe. Eu sei-o."

(Vergílio Ferreira, Alegria Breve)

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